Por Jonah Lehrer
WIRED Magazine
A mente humana vê mentes em todos os lugares. […] A questão é que estamos constantemente a traduzir as nossas percepções visuais numa teoria da mente, na medida em que tentamos imaginar os estados internos de ursos de peluche, microchips e perfeitos estranhos.
Na maioria das vezes, essa abordagem até funciona suficientemente bem. Se eu reparar em alguém a piscar os olhos e apertar a mandíbula, eu automaticamente concluo que ele/a deve estar com raiva, se flexiona o zigomático maior - que é o que acontece durante um sorriso - então eu suponho que ela está feliz. A questão é que poucos sinais de linguagem corporal são instantaneamente traduzido numa imagem mental rica. Não podemos deixar de pensar no que os outros estão a pensar.
Mas essa complexa ligação entre a teorização da mente e a percepção sensorial também se pode revelar problemática. Por exemplo, quando as pessoas olham para estranhos que parecem "diferentes" – talvez por se vestirem de maneira engraçada, ou por pertencer a um grupo étnico diferente - dotam esses estranhos com menos capacidade de planejar, agir e exercer autocontrole. Ou considere uma experiência de 2010 de fMRI (Functional magnetic resonance imaging), que descobriu que quando os homens olham para mulheres "sexualizadas", eles exibem uma activação reduzida em partes do cérebro normalmente associada à atribuição de estados mentais. Estes são, obviamente, hábitos terríveis - um decote um pouco maior não deve fazer-nos preocupar menos com os sentimentos de alguém, nem tão pouco um tom de pele diferente - mas na maioria dos casos não conseguimos evitá-lo. Nós julgamos os livros pela capa e as mentes pela sua aparência. Somos uma espécie superficial.
E isto leva-nos a um trabalho novo e fascinante feito por uma equipa dos melhores psicólogos, incluindo Kurt Gray, Knobe Josué, Sheskin Marcos, Bloom Paul e Lisa Feldman Barrett. Os cientistas enquadraram bem o mistério que eles querem resolver:
Será que as capacidades mentais das pessoas mudam fundamentalmente quando elas tiram uma camisola? Isto parece absurdo: como pode o remover de uma peça de roupa mudar a capacidade de agir ou sentir? Em seis estudos, no entanto, mostramos que tirar uma camisola - ou de outra forma mostrar mais pele - pode alterar significativamente a forma como a mente é percebida. Neste artigo, sugerimos que o tipo de mente atribuída a outra pessoa depende da relevância relativa do seu corpo - que a capacidade de percepção, tanto para a dor como para acções planeadas dependem se alguém usa uma camisola ou um top.
A fim de entender porque as camisolas e os tops influenciam o tipo de mente que observamos, é importante saber as diferentes qualidades que imaginamos nos outros. Em geral, as pessoas avaliam as mentes - e não importa se é a "mente" de um animal de estimação, um iPhone ou uma divindade - em duas dimensões distintas. Primeiro, nós classificamos essas mentes em termos de agência filosófica (agency). (Os seres humanos têm muita; os peixinho menos.) Mas também pensamos nas mentes em termos de capacidade de ter experiências, de sentir e de perceber. Os psicólogos sugerem que estas dimensões duplas são realmente uma dualidade, e que há uma troca directa entre a capacidade de ter agência e a experiência. Se dotarmos alguém com muito sentimento, então esse alguém terá menos agência. E se alguém tem muita agência, então provavelmente será menos sensível à experiência. Em outras palavras, nós automaticamente assumimos que a capacidade de pensar e a capacidade de sentir são opostas. É um jogo em que a soma é zero.
O que tudo isso tem a ver com a nudez? Os psicólogos demonstraram que é muito fácil mudar as nossas percepções sobre as outras pessoas - de ter uma mente cheia de agência, a ter uma mente interessada nas experiências: tudo o que tem de fazer é tirar a roupa. Veja como exemplo a primeira experiência de Gray, (e outros), que mostrou a 159 estudantes universitários uma variedade de fotos. Algumas dessas fotos eram de uma mulher atraente chamado Erin, que aparecia em algumas só com a face e noutras de biquini. Outros estudantes viram um homem bonito chamado Aaron, mostrando ou o rosto ou com o seu peito nu.
Depois de olharem para essas imagens e de lerem uma breve descrição de Erin / Aaron, aos participantes foi solicitado que avaliassem as capacidades mentais da pessoa. Eles responderam a seis perguntas, da seguinte forma, "Comparado com a média das pessoas, quanto é o Erin capaz de X." O X foi preenchido com várias capacidades de agência, tais como "autocontrole", "agir moralmente" e "planeamento" e uma série de experiências relacionadas com a capacidade de "sentir prazer", "passar fome" e "experimentar o desejo". Os participantes responderam a estas seis perguntas numa escala de 5 pontos, de 1 (muito menos capaz) a 5 (muito mais capaz).
Acontece que um vislumbre de carne influencia fortemente nossa percepção de Erin / Aaron. Quando as imagens mostraram a face, eles tinham muita agência. Mas quando vimos o seu tronco, de repente imaginamo-los obcecados com a experiência. Em vez de serem bons em autocontrole, eles foram subitamente extremamente sensíveis à fome e ao desejo. A mesma pessoa, a mesma expressão facial, a mesma breve descrição - mas um pouco de corpo mudou tudo.
Noutra experiência, os pesquisadores variaram a mentalidade dos voluntários, às vezes, pedindo-lhes para olhar fotos como se estivessem num site de namoro on-line, com foco na atração, e, por vezes, pedindo-lhes para olhar as fotos como se estivessem a contratar para um trabalho profissional, com foco na mente. Mais uma vez, pensando em como "sexy e bonito" alguém é - esses são atributos corporais – os estudantes foram levados a dotá-los de mais experiência e menos agência. O oposto aconteceu quando as pessoas foram solicitadas a avaliar a inteligência e eficiência.
Esta pesquisa ajuda a esclarecer um longo debate sobre o que acontece quando olhamos para outros corpos. Kant, por exemplo, argumentou que "o amor sexual faz da pessoa amada um objeto do apetite; assim que o apetite foi saciado, a pessoa é posta de lado como um limão que já foi sugado" Em outras palavras, olhar para uma pessoa nua nos enche de desejo sexual, e esse desejo induz uma forma de cegueira mental. Em vez de vermos o indivíduo como tendo agência, ele ou ela se torna um meio para um fim, nada mais além de algo para a nossa satisfação. Kant estava a descrever um fenómeno conhecido como objectivação, em que ver um corpo torna toda a pessoa num objecto físico. Esta ideia é frequentemente invocada quando se descrevem estudos como os de proeminência facial (face-ism), que descobriu que as mulheres são muito mais propensas a aparecer em anúncios de revistas com um corpo atraente, enquanto os homens normalmente só aparecem os seus rostos.
Mas a realidade psicológica acaba por ser um pouco mais complicada. Ao ver um corpo reduz-se a percepção da agência, mas realmente melhora-se a percepção da experiência. Como resultado, Gray (e outros) argumentam que a objetivação é um termo enganador:
A ideia de que o foco de um corpo pode levar a uma mente tanto diminuída como aumentada está em contraste com o termo "objectivação", porque ele sugere que as pessoas vistas como corpos não são vistas como objetos sem sentido, mas, em vez disso, como experimentadores: alguém mais capaz de dor, prazer, desejo, sensação, e emoção, mas com falta de agência. Em outras palavras, com o foco no corpo não leva à desmentalização, mas a uma redistribuição da mente.
Claro que isto não significa que a redistribuição da mente não possa fazer estragos. Se você é uma mulher candidata a um emprego, a tendência às vezes machista dos homens, para se concentrar no corpo irá diminuir injustamente a percepção da agência e da inteligência, você vai ser punida por ter mamas. No entanto a mulher não vai ser literalmente objetivada, a redistribuição da mente ainda vai fazê-la muito menos propensa a ser contratada.
Este trabalho também levanta importantes questões filosóficas. Desde Descartes, que tem sido sugerido que as pessoas são dualistas naturais, dividindo o mundo num reino imaterial cheio de almas e um mundo físico cheio de objectos. Este quadro simples, no entanto, parece ser um pouco simples demais. Em vez disso, os psicólogos propõem que os seres humanos são realmente dualistas platónicos, seguindo a crença de Platão de que existem dois tipos distintos de mente: a mente para o pensamento e raciocínio e uma mente para as emoções e paixões. O que é surpreendente é a facilidade com que alternamos entre estas diferentes capacidades mentais. Só é preciso um pouco de pele para que um pensador se transforme num tentáculo.
[…]
Nota: Neste texto muitas vezes se faz referência à palavra agência como agência filosófica ou humana que segundo a Wikipédia é: “ […] a capacidade dos seres humanos em fazer escolhas e impor estas escolhas ao mundo. Ela é normalmente contrariada por forças da natureza, as quais são causas que envolvem somente processos deterministas não-conscientes.
Neste aspecto, difere sutilmente do conceito de livre arbítrio, a doutrina filosófica de que nossas escolhas não são o produto de cadeias causais, mas são significativamente livres ou indeterminadas. A agência humana implica a afirmação incontroversa de que os seres humanos tomam decisões e as representam no mundo. […]”
Tradução livre casaisnudistas
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