Em Capazes.pt
Não se alarmem pelo título da crónica, não vou
pôr-me para aqui a fazer reviews a dildos ou algo do género. Mas é mesmo
esse o tema: uma pila de pedra.
Sucede que uma cidadã russa achou que era indigno colocar perto de uma escola uma réplica da estátua de David de Miguel Ângelo.
O David está nu, claro.
A senhora preocupa-se imenso com o facto de as
crianças observarem a nudez da estátua, diz que não é normal e lhes
deforma a alma. Nem mesmo o facto de a escola alegar que os seus alunos
tinham cultura suficiente para não se chocarem com a estátua apaziguou a
mulher.
E não é só na Rússia que a nudez chateia! Ao que
parece, alguns media americanos acharam que um quadro de Modigliani que
retratava uma mulher nua precisava de ser censurado. Ou seja, um dos
mais valiosos quadros do mundo (o mais caro de um italiano), foi
desfocado e censurado porque mostrava maminhas e pelos púbicos.
O Drama!
O Horror!
O Horror!
Perdoem-me a ironia.
A verdade é que isto me perturba profundamente e tenho de rir para não chorar.
A verdade é que isto me perturba profundamente e tenho de rir para não chorar.
Que obsessão é esta com a censura da nudez, quem
resolveu dizer que os nossos corpos eram algo sujo que precisava de ser
tapado, escondido, motivo de vergonha? Será que existe alguém no mundo
que não tenha nascido nu?
O que há de tão errado em mostrar pilas e mamas e pelos às crianças?
O que há de tão errado em contar a história verdadeira da sua concepção?
Que história ridícula é essa da sementinha? E o raio
da cegonha, que nem dois metros conseguiria transportar um puto, quanto
mais de França até aqui?
Será que queremos mesmo mentir aos miúdos? Será que
queremos fazê-los de parvos e minar a confiança que têm em nós? Será que
queremos que eles cresçam com a ideia de que os seus corpos são algo
que precisam de esconder?
Se calhar a culpa é dos meus pais. Sou uma traumatizada, coitada de mim.
É que cresci com gente nua a andar pela casa.
Corri nua na praia atrás das gaivotas e do meu
irmão, que também andava por lá com a pilinha a abanar ao vento. Nos
meus álbuns de fotografias, disponíveis para a visualização de toda a
família, existem fotos da minha mãe grávida e nua, a falar ao telefone.
Nunca isto me pareceu estranho, nunca me senti
esquisita. Sempre que via a fotografia da minha mãe nua, via uma grávida
a falar ao telefone, só recentemente é que me apercebi que andava a
mostrar aos meus sogros fotos da minha mãe em pelota.
(Mamã: sei que provavelmente não te importas, mas desculpa lá o mau jeito)
Mas há mais!
A minha infância ia dar ao Quintino pano para mangas.
Cresci a ver fotos de pipis e pilinhas em livros de
anatomia. Aprendi como as coisas funcionavam, comi muita sebenta com
vaginas desenhadas, enquanto a minha mãe se preparava para os exames.
Quando perguntei como se faziam os bebés aos meus
pais, mostraram-me um livro com imagens e explicaram-me como a coisa
funcionava. Sem filtros. Sem a parte do “quando um homem e uma mulher se
amam muito”, porque essa parte não é científica. Essa parte é o que
dizemos a nós próprios para diminuir a vergonha de algo que não é
vergonha nenhuma. (Como podemos ter vergonha do milagre que é criar uma
vida?)
Mais tarde fiz a mesma pergunta à minha ama, que me
contou a história de o homem regar a sementinha da mulher. Chamei-lhe
mentirosa e expliquei-lhe o que me tinham dito, usei palavras feias como
pénis e vagina. A senhora ficou de todas as cores, coitada. Não sei que
idade tinha, mas devia ser menos de seis anos porque acho que ainda não
andava na escola.
Só gostava de ser uma mosquinha para ouvir a conversa que ela teve com os meus pais depois.
Digo que estou traumatizada, mas a verdade é que não o sinto.
Cresci feliz e bem resolvida. Fui boa aluna e uma
adolescente responsável, tive cuidado com a minha saúde sexual (sim,
isso existe) e não deixei de passar pelas experiências que queria. Tive
paixonetas platónicas, flirts e namorados que gostaram mesmo de mim, até
que um deles se casou comigo (coitado).
Hoje ambos andamos nus pela sala, prontos a traumatizar os filhos que hão-de vir.
Pelo menos só se estraga uma casa.
Sem comentários:
Enviar um comentário